Eles te advertem que a aurora foi abolida por tempo indeterminado. Eles te comunicam que o trigo e o vento vão ser exportados para o arco-íris. Eles te aconselham a esquecer o corpo ensanguentado dos acontecimentos. Eles te ensinam que o orvalho não cai sobre aqueles que semeiam dúvidas. Eles te mandam esvaziar as palavras de toda a possível reminiscência. Eles te fiscalizam do alto dos edifícios escanchados nalgum dragão lunar. Eles te dão um ataúde azul e te ordenam que é tempo de morrer. Francisco Carvalho
No céu cinzento Sob o astro mudo Batendo as asas Pela noite calada Vem em bandos Com pés veludo Chupar o sangue Fresco da manada
Se alguém se engana Com seu ar sisudo E lhes franqueia As portas à chegada Eles comem tudo Eles comem tudo Eles comem tudo E não deixam nada
A toda a parte Chegam os vampiros Poisam nos prédios Poisam nas calçadas Trazem no ventre Despojos antigos Mas nada os prende Às vidas acabadas São os mordomos Do universo todo Senhores à força Mandadores sem lei Enchem as tulhas Bebem vinho novo Dançam a ronda No pinhal do rei
Eles comem tudo Eles comem tudo Eles comem tudo E não deixam nada
No chão do medo Tombam os vencidos Ouvem-se os gritos Na noite abafada Jazem nos fossos Vítimas dum credo E não se esgota O sangue da manada
Se alguém se engana Com seu ar sisudo E lhes franqueia As portas à chegada Eles comem tudo Eles comem tudo Eles comem tudo E não deixam nada
Eles comem tudo Eles comem tudo Eles comem tudo E não deixam nada
... Livia Alessandrini - La Fenêtre de Van Gogh Tenho fases, como a lua Fases de andar escondida, fases de vir para a rua... Perdição da minha vida! Perdição da vida minha! Tenho fases de ser tua, tenho outras de ser sozinha. Fases que vão e vêm, no secreto calendário que um astrólogo arbitrário inventou para meu uso. E roda a melancolia seu interminável fuso! Não me encontro com ninguém (tenho fases como a lua...) No dia de alguém ser meu não é dia de eu ser sua... E, quando chega esse dia, o outro desapareceu... Cecília Meireles