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segunda-feira, outubro 23, 2006

charutos, chá das cinco e saudade

...

Julius Stewrt


a sala da minha avó guarda encantos e memórias
conservados em saudade
sons de sorrisos velados, perfumes das quintas feiras
- às cinco em ponto era o chá -
vinham as tias solteiras e um senhor de panamá
que falava em liberdade....

bem ocultas sob o pó dormem antigas histórias
dois sofás de velho couro
jornais do tempo da guerra
da fome e da incerteza
um vaso apenas com terra
junto ao isqueiro de ouro
os cachimbos do avô
dormem soltos sobre a mesa recoberta de tricot

pelas paredes espalhados
quadros a óleo suspendem
parentes desconhecidos
de largo bigode hostil
comendadores no Brasil ... era o tempo de emigrar...
e ainda paira no ar
o odor adocicado dos charutos apagados

a secretária de alçado
postada a um canto, sombria
sob o relógio parado,
ainda hoje vigia
os papéis e o passado

fecho a porta de mansinho, deixo as cortinas cerradas

no silêncio que transborda, de saudade, de carinho,
ouço o relógio sem corda
dar as cinco badaladas...
e depois... chorar baixinho


J. M. Restivo Braz
in:
http://pwp.netcabo.pt/JMRB/default.htm

2 comentários:

eccerui disse...

Uma saudade de um tempo em que a vida corria devagar e era mais bela.

henrique santos disse...

É a primeira vez que aqui venho Maria Lisboa. Gostei muito. Parabéns.